top of page

Blog da Associados

Reforma do Código Civil - Cláusula de Não Concorrência

jul 31

6 min de leitura

Por Rayane Lins, sócia coordenadora da área cível




Em atenção aos contratos civis e empresariais, surge um tema de suma importância, que é a CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA.


No projeto da reforma do Código Civil, há uma proposta de alteração no que diz respeito à cláusula de não concorrência, considerando que atualmente existe apenas uma regra sobre o tema, no artigo 1.147, do CC, que trata da alienação do estabelecimento empresarial:


                Art. 1.147. “Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência”.

A regra geral imposta atualmente, ao olhar de muitos estudiosos, contraria os próprios Princípios da Economia Privada e da Intervenção Mínima, já que, salvo acordo em contrário quem vende não pode concorrer com quem compra, ou seja, na mesma atividade, por no mínimo cinco anos após a alienação.


A proposta da reforma apresentada veta a lógica do artigo 1.147, CC, para dizer justamente o contrário com regra geral, de modo que o pode o alienante atuar livremente no mesmo ramo, se não houver previsão da cláusula de não concorrência. E temos nas regras de interpretação, dentro da autonomia privada, que as partes podem estabelecer exatamente quais são os limites da atividade que irão desempenhar. Nesse contexto, restam dúvidas e até críticas ao texto proposto da reforma.


Importante observar que a Natureza Jurídica da cláusula de não concorrência é claramente uma obrigação de não fazer, ou seja, não realizar determinado ato, que, não fosse a cláusula, poderia sim ser realizado. Então quando pensamos nessa “obrigação de não competir, de não concorrer”, ela gera colisão importante entre a autonomia privada daquela liberdade de estabelecer o clausulado e direitos fundamentais importantes, como o da livre iniciativa, o direito ao trabalho e outros.


Não por menos, essas cláusulas de não concorrência são muito questionadas no judiciário, de modo que a Comissão do Projeto da Reforma do Código Civil precisou selecionar os critérios jurisprudenciais mais relevantes e mais recorrentes para validade da cláusula de não concorrência.


A título de exemplo, é importante analisar como se dá vedação do artigo 1.147, CC, como em situação geográfica, em havendo a venda de um negócio, mas que o alienante pretende abrir negócio semelhante em outro estado. Logo, essa regra não faria o menor sentido, e eventualmente fez limitar geograficamente a eficácia desta cláusula.


Assim, vejamos o texto proposto na reforma para o artigo 1.147, CC:


        Art. 1.147. “O alienante pode atuar livremente no mesmo mercado do estabelecimento alienado, salvo solução diversa, pactuado por escrito entre as partes, quanto ao ponto e ao espaço de não concorrência”. 

Desta maneira, chamamos a atenção para os termos “ponto e espaço” de não concorrência.  


Engana-se quem pensa que bastava ter revogado o art. 1.147, para que a possibilidade concorrência passasse a ser a regra. Isto porque seria invocada a boa-fé objetiva nessa discussão, podendo até se alegar que se há alienação do estabelecimento comercial, seria desleal concorrer naquela mesma região e isso traria diversas discussões judiciais, o que se pretender mitigar.


O que diz hoje o direito projetado é o que vai ao encontro da autonomia privada, ou seja, eu posso fazer aquilo que eu quiser, salvo se a lei me proibir ou se eu me comprometer a não fazer. Então, aí já existe uma primeira regra no direito projetado que afasta uma presunção, pelo fato em si, da concorrência no caso de alienação do estabelecimento comercial.


Então temos agora um dispositivo no direito projetado, que pode causar alguma celeuma. O artigo 421- C, § 1º, IV do Código Civil:


Art. 421-C. “Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos, se não houver elementos concretos que justifiquem o afastamento desta presunção, e assim interpretam-se pelas regras deste Código, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais”.
§ 1º “Para sua interpretação, os contratos empresariais exigem os seguintes parâmetros adicionais de consideração e análise”:

[...]

IV – “são lícitas em geral as cláusulas de não concorrência pós-contratual, desde que não violem a ordem econômica e sejam coerentemente limitadas no espaço e no tempo, por razoáveis e fundadas cláusulas contratuais”;

 

Como sobre tudo que é novidade, surgiram dúvidas e críticas, o que não seria diferente ao texto da reforma. Assim, podemos pontuar:


1) De plano, afirmar que a cláusula de não concorrência é licita, é uma obviedade. No direito privado, aquilo que não é proibido, é permitido. Logo, esse dispositivo legal é uma trivialidade. O óbvio precisa ser dito. No entanto, em análise mais aprofundada, essa regra não tem nada de óbvia, pois há um sério problema de colisão, como dito anteriormente, bem como há inúmeras decisões judiciais invalidando cláusula de não concorrência por entender que ela fere o direito à livre iniciativa, o direito ao trabalho. Então o que esse dispositivo faz é estabelecer a licitude, à primeira vista, dessas cláusulas. Só que o faz, seguindo aquilo que a doutrina e a jurisprudência acertaram há tempos: tais cláusulas precisam ser razoáveis e a limitação há de ser temporal e espacial. Vale dizer que o espaço abrangido pela não concorrência deve ser aquele do cliente da contraparte. E não menos importante, não se pode estabelecer uma cláusula de limitação eterna. Então o que esse dispositivo faz, é fundamentalmente dizer que as cláusulas são lícitas quando estabelecem regras de limitação temporal e espacial, como a jurisprudência já vinha se posicionando, não havendo que se falar em contradição com a letra proposto na reforma.


2) Uma dúvida ainda relevante. Essa regra se aplica somente aos contratos empresariais, ou também aos contratos civis em geral? Vejamos. A ideia de concorrência, é fundamentalmente e preliminarmente ligada à ideia de empresa, mas nada impede que no contrato civil puro, ou seja, entre parte não empresárias, se estabeleça alguma cláusula restritiva da atividade, sendo claro que sim, essa regra pode ser aplicada aos contratos civis, justamente por esse ser um dispositivo que traz regras de interpretação, não só para os direitos empresariais, mas que são extrapoláveis para todo e qualquer contrato.


Claro que, se o contrato for de adesão, uma cláusula de não concorrência, é nula de pleno direito, haja vista que o artigo 424, do CC, reza que “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”. Então, poder exercer a sua atividade, é um direito inerente à toda atividade, aos contratos em geral.  Logo, essa cláusula de renúncia ao direito é nula por expressa disposição legal.


3) Embora o texto se apresente como parâmetro interpretativo, ele traz elementos de validade da cláusula. Realmente esse texto traz sim critérios de validade, mas que requer atenção.  Quando se pensa em invalidade, existe um antigo brocado que nasce em favor do testamento, ou seja, eu interpreto o testamento de modo a salvá-lo para preservar a vontade do morto, e essa regra do “Favor Testamenti” acabou ultrapassando para a ideia de “Favor Negotii”, ou seja, se deve interpretar a cláusula contratual, diante de algumas possibilidades interpretativas, optando por aquela que salva a validade da cláusula. Então esse mecanismo diz como se deve interpretar uma cláusula de não concorrência., de maneira a considerá-la válida, sendo lícitas, em geral.


E quando não serão lícitas? Quando violarem regras de ordem econômica e que não sejam limitadas no espaço e no tempo, inclusive fornecendo ao julgador critérios para que ele interprete a cláusula e consequentemente, determine a sua plena eficácia ou a sua invalidade.


Imaginemos um contrato com a seguinte cláusula: “Fica vedada a concorrência.” Essa Cláusula é nula? Não. Porém, em uma discussão judicial, deverá ser dada interpretação conforme a essa cláusula.


Podemos ainda refletir sobre um outro contrato com a seguinte cláusula: “Fica vedada a concorrência em todo território nacional e estrangeiro por cinquenta anos.” É obvio que qualquer julgador considerará que essa clausula viola os padrões razoáveis de não concorrência, criada tão-somente para atender ao capricho da parte, do que propriamente ter uma lógica de mercado.


Concluindo, quando há um racional justificado no contrato, aquela cláusula produzirá todos os seus efeitos. Então, podemos vislumbrar, com todas as vênias, que possível insegurança foi mitigada nesse dispositivo proposto na reforma atinente à cláusula de não concorrência, posto que o artigo foi redigido com técnica, seguindo uma das vertentes da reforma, que foi a de consolidar as regras jurisprudenciais, trazendo segurança para que se possa clausular nos contratos a não concorrência, estabelecendo os critérios eleitos pela jurisprudência como necessários: (i) se é racional ou por qual motivo limitar e (ii) limitação geográfica e temporal.


Cabe lembrar que todas as mudanças acima destacadas, no momento de elaboração deste artigo, são meramente propostas, as quais ainda serão analisadas pelo Senado Federal, portanto, passíveis de alterações.

Posts Relacionados

Comentários

Compartilhe sua opiniãoSeja o primeiro a escrever um comentário.
bottom of page