top of page

Blog da Associados

Reforma do Código Civil: o que muda no conceito de “ato ilícito” — e por que sua empresa deve prestar atenção agora

há 6 dias

4 min de leitura

Por Alberto Dantas

ree

A proposta de reforma do Código Civil (PL 4/2025) reacendeu o debate sobre o que é ato ilícito, quando uma empresa pode ser obrigada a parar uma atividade e quando pode surgir risco jurídico relevante.

Embora pareça um tema estritamente jurídico, ele tem impacto direto no ambiente empresarial: previsibilidade, concorrência, contratos, comunicação, compliance e gestão de risco.

Este artigo explica, de forma simples e prática, o que muda, o que permanece igual e por que sua empresa precisa acompanhar esse tema de perto.

1. O que é ato ilícito hoje

O Código Civil atual prevê duas formas de ato ilícito:

 

(a) Ilícito culposo — art. 186 (exige dano)

É ilícito quando alguém, por negligência, imprudência ou imperícia:

  • viola um direito e

  • causa dano.

Este é o ilícito clássico: só existe responsabilidade se houver dano.

 

(b) Abuso de direito — art. 187 (NÃO exige dano)

É ilícito quando alguém, mesmo exercendo um direito legítimo, extrapola os limites de:

  • boa-fé,

  • bons costumes,

  • finalidade econômica ou social do direito.

Aqui, NÃO é preciso haver dano para que haja ato ilícito.

Ou seja: o sistema atual JÁ admite ato ilícito sem dano, desde 2002.

Responsabilidade civil — art. 927 (exige dano)

Só há obrigação de indenizar se o ato ilícito causar dano.

Portanto:

  • pode haver ato ilícito sem dano (art. 187),

  • mas não há indenização sem dano.

E mesmo hoje é possível impedir um ilícito antes que o dano aconteça, por meio da tutela inibitória.

2. O que o PL 4/2025 muda?

O PL NÃO altera o art. 187.

O abuso de direito permanece exatamente igual.

A mudança está no novo art. 186, que passa a ser:

“Art. 186. A ilicitude civil decorre de violação a direito.”

Parágrafo único. “Aquele que [...] violar direito e causar dano, responde civilmente.”

 

Essa redação reorganiza a estrutura da responsabilidade civil:

 

(1) O ilícito passa a ser definido de forma ampla

Atualmente, o ato ilícito ocorre quando houver o abuso de direito (art. 187).

Com o PL, qualquer violação de direito é tecnicamente um ato ilícito, ou seja, passa a ser verdade para todo o sistema.

 

(2) O dano passa a valer apenas para a indenização

O parágrafo único confirma: “Violação + dano = responsabilidade civil.”

Sem dano → não há indenização, mas pode haver tutela preventiva.

 

(3) O PL separa “ilicitude” e “responsabilidade”

Atualmente, tudo está misturado no mesmo artigo. Com o PL:

  • ilícito = violação de direito

  • indenizar = só se houver dano

  • prevenção = regras próprias

Essa separação é nova — e pode gerar diferentes interpretações.

 

(4) O abuso de direito continua existindo exatamente como é

O art. 187 segue intacto: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que excede manifestamente os limites [...]”

Ou seja:

  • continua sendo ilícito sem dano,

  • continua sendo fundamento para tutela preventiva,

  • continua sendo lido à luz da boa-fé.

 

3. Afinal, uma violação mínima já é “ilícita” agora?

Sim. Pela letra da nova lei, qualquer violação é ilícito.

Exemplo:

  • 10 minutos de atraso na entrega — é tecnicamente violação de direito → ilícito.

Mas…

4. Isso NÃO significa multa, indenização ou sanção automática

Aqui está a distinção essencial.

 

(a) Indenização NÃO existe sem dano

O fato de ser ilícito não gera indenização.

É indispensável haver:

  • dano,

  • nexo causal,

  • conduta.

 

✔ (b) Multa judicial só existe se houver ORDEM judicial prévia

O atraso de 10 minutos não gera multa nenhuma, porque:

  • o juiz não age de ofício;

  • alguém precisa ajuizar ação;

  • o juiz precisa determinar uma obrigação;

  • só depois há multa por descumprimento.

 

✔ (c) Multas administrativas dependem de normas específicas

O Código Civil não cria multa. Cada agência reguladora só multa conforme sua legislação própria.

 

✔ (d) Pequenas violações não serão judicializadas

A proporcionalidade impede que o Judiciário se ocupe de:

  • descumprimentos mínimos,

  • atrasos irrisórios,

  • violações sem relevância.

Na prática, ninguém vai ao Judiciário por atraso de 10 minutos.

 

5. Então qual é o verdadeiro impacto do PL?

O risco não é pagar mais. O risco é o aumento da incerteza, porque:

  • “violação de direito” é conceito aberto,

  • juízes podem interpretar de formas diferentes,

  • tutelas inibitórias podem ser mais frequentes,

  • condutas comerciais normais podem ser vistas como ilícitas,

  • contratos podem ficar mais vulneráveis à judicialização.

A mudança é estrutural, não punitiva.

 

6. Exemplos práticos (objetivos e fáceis de visualizar)

Exemplo 1 – Publicidade agressiva

Concorrente alega violação ao direito de concorrência leal. Juiz pode mandar retirar campanha do ar — mesmo sem dano.

 

Exemplo 2 – Marca parecida

Logo ou embalagem semelhante à de outra empresa.

Concorrente entra com ação.

Juiz pode determinar suspensão imediata, ainda que não haja prejuízo comprovado.

 

Exemplo 3 – Risco ambiental

Operação apresenta risco, mas sem dano real. Juiz manda paralisar preventivamente.

 

Exemplo 4 – Abuso contratual

Empresa grande impõe condições desproporcionais a fornecedor menor.

Juiz determina suspensão da prática.

 

Exemplo 5 – Interpretações divergentes

Dois juízes:

  • um entende que determinada cláusula “viola um direito”;

  • outro entende que está dentro da autonomia contratual.

Essa oscilação aumenta risco jurídico.

 

7. Conclusão: o que sua empresa precisa entender

O PL não cria punições novas. Ele muda o conceito central da responsabilidade civil.

Para as empresas, isso significa:

  • necessidade de reforçar compliance,

  • maior cuidado com contratos e renegociações,

  • mais atenção às práticas de mercado,

  • prevenção em marketing e concorrência,

  • maior preparo para tutelas inibitórias,

  • monitoramento da jurisprudência nos primeiros anos.

A mudança não aumenta o valor das condenações — mas pode aumentar o número de discussões judiciais sobre o que é ou não “violar um direito”.

E é isso que exige atenção redobrada.


Posts Relacionados

Comentários

Compartilhe sua opiniãoSeja o primeiro a escrever um comentário.
bottom of page